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Eliseu, os meninos e as ursas
Pastor Ricardo
23 Então, subiu dali a Betel; e, subindo ele pelo caminho, uns meninos
saíram da cidade, e zombavam dele, dizendo: Sobe, calvo! Sobe, calvo!
24 E, virando-se ele para trás, os viu, e os amaldiçoou em nome do Senhor.
Então, duas ursas saíram do bosque, e despedaçaram quarenta e dois
daqueles meninos.
25 E dali foi para o monte Carmelo, de onde voltou para Samaria.
A Bíblia, diferente de muitos livros, apresenta fatos agradáveis e
desagradáveis a partir do ponto de vista humano. Há situações descritas no
Livro Sagrado que para muitos poderiam nem estar ali!
Mas isso mostra que a Bíblia não tem o desejo de ser um livro apenas de
"coisas aparentemente boas e agradáveis". Se tais eventos considerados
ruins não figurassem no texto, poderia parecer querer esconder, direcionar
para "só coisas boas", e a vida se apresenta com bons e maus momentos!
Isso, para mim, mostra a maior autoridade da Bíblia! Ela não quer enganar,
mas mostrar o caminho. O melhor caminho, mesmo no meio de situações ruins
que acontecem.
É interessante registrar que, quando interessa, ou seja, em eventos
“ruins” que ocorreram e foram registrados na Bíblia, ela é considerada
como um livro de fatos ocorridos e digno de nota, precisamos observar
esses eventos, e isso é defendido muitas vezes até por aquelas pessoas que
criticam a historicidade e importância dela, bem como não querem seguir
seus ensinamentos! Agora, quando ela relata eventos "bons", como profecias
que se cumprem, milagres, libertação, relacionamento com Deus, plano da
salvação, vinda de Jesus, e muitas outras coisas, daí ela é considerada um
livro de fábulas, nem se dá atenção, porque a ideia é questionar a parte
que parece ruim sem focar no que poderia ser considerado bom.
Ora, a Bíblia não é um livro especificamente de história, ela é como se
fosse um “manual de sobrevivência espiritual” do crente. É um livro que
tem sugestões para se viver melhor a vida, apontando para a vontade do
Senhor como o melhor e mostrando que seguir fora dessa vontade é ruim. No
entanto, é fato que ela também apresenta a história, até mesmo a
arqueologia comprova isso (quando se pensa que alguma descoberta vai
contrariar o texto Bíblico, muitas vezes ela confirma, mas só tentam
tornar digno de evidência algo que pareça contrariar). Como todo bom livro
de história e não de lendas ou meras apresentações de opiniões, deve
conter os fatos que realmente ocorreram, por mais terríveis e controversos
que eles sejam! Isso dá mais valor ao texto em vez de causar problemas, na
minha opinião!
É importante registrar que falamos de 42 pessoas (não de uma ou até 10,
mas 42), que fizeram uma ameaça (sugeriram que Eliseu seguisse o caminho
de Elias - "sobe") e que questionavam a autoridade do profeta (calvo - a
Lei tinha algumas restrições a respeito de algumas formas de calvície).
O desfecho é trágico! E fica mais duro ao lermos "crianças", é claro!
Mesmo que fosse um grupo grande (42), não se aceita a ideia de problemas
mais sérios vindo de crianças. E mesmo que se pense em problemas mais
sérios, o que realmente preferimos é um desfecho mais tranquilo, agradável
e ursas despedaçando 42 meninos não é nada agradável!
O primeiro ponto a se pensar é algo que já escrevi acima: A vida não tem
apenas momentos agradáveis. Há situações que ocorrem que podem parecer
boas e ruins. A crise aqui é o profeta ter amaldiçoado e crianças sofrerem
um fim trágico. Não achamos estranho quando Davi derrota o gigante. Até
entendemos que a luta se travava até espiritualmente, com a afronta do
gigante ao Senhor de Israel, mas por serem adultos (Davi ainda não era
homem de batalha, mas não era uma criança como entendemos crianças),
acaba-se relevando. Mas o gigante não poderia ter sido confrontado com seu
pecado e ter tido a chance de se arrepender? Essa historia ficaria
aparentemente mais bonita! Mas a vida tem bons e maus momentos.
O segundo ponto, também já escrevi: o profeta foi ameaçado ("sobe") e
questionado em seu chamado ("calvo"). Foi uma afronta ao Senhor, como fez o
gigante ou fizeram os filisteus no exemplo que citei acima. Afinal, o
Senhor tinha escolhido Eliseu! Questionar seu chamado é questionar o
próprio Senhor. E o "sobe" querendo que ele "sumisse", como Elias, é uma
ameaça! Imagina 42 pessoas vindo contra você nesses termos, pensando a
situação com esse ponto de vista (ameaça). É fato que pensar em crianças
"quebra" nossa possibilidade de avaliar a situação como perigosa, mas 42
juntas! Se um só com uma pedra podia derrubar um gigante, mesmo que fosse
"criança" aos olhos da batalha apenas, mas conseguiu vencer um homem de
guerra, experimentado nas batalhas, imagine 42 contra 1! É preciso ser
menos condescendente com "crianças" e pensar no que poderia acontecer por
ser um grupo de 42!
Isso não muda que o fim foi trágico! Mas ínsito: a Bíblia poderia esconder
a história tida como "ruim". Não escondeu. Isso me faz querer saber mais
ainda o que esse livro apresenta, pois se não "floreia" o que pode parecer
ruim, tem que dizer algo bom no que parece agradável! E tem muito mais
coisas assim!
Mas não posso terminar sem registrar mais uma coisa: a palavra usada para
"meninos", no original, é usada igualmente para Isaque com 28 anos ou para
José (ambos no Gênesis) com 39! Há outras passagens que trazem a mesma
palavra para representar "rapazes crescidos". Isso é um problema que se
tem em qualquer tradução! Nem sempre é possível expressar exatamente o que
realmente foi dito. Há outras passagens Bíblicas, outros livros, cristãos
ou não, até filmes, que padecem do mesmo problema: usa-se uma palavra que
pode sim significar o que se queria dizer originalmente, mas no fim, o
significado poderia ser outro, ou ter mais de uma possibilidade extra,
além da que foi escolhida na tradução! Isso não acontece apenas em casos
que podem servir de "explicação" quando a situação é tida como ruim! Mesmo
em textos que temos como "bons" essa possibilidade de tradução limitada se
apresenta!
Que o diga o Salmo 23! "O Senhor é o meu pastor e nada me faltará". Mas
muitas pessoas que buscam ao Senhor sentem sim falta de alguma coisa! O
texto, que é tido como "bom", seria melhor traduzido por "O Senhor é o
meus pastor e de nada sinto falta". Muda! Ainda que esteja faltando algo,
eu não sinto essa falta, porque o Senhor me é suficiente e me dá aquilo
que realmente eu preciso. Pode até faltar do ponto de vista humano, mas o
suprimento da parte de Deus não nos permite sentir essa falta!
Além disso, a expressão "42 daqueles meninos" apresenta a possibilidade
que havia ainda mais! Ou o texto poderia dizer "todos os 42 meninos". Ao
registrar "42 daqueles" apresenta a possibilidade (não a certeza, mas a
possibilidade) que havia ainda mais! Então, naquele exercício de
imaginação que apresentei acima falando em "42 pessoas vindo contra você
com ameaça", pense que poderia ser até mais e que "apenas" 42 daqueles que
vieram foram despedaçados pelas ursas.
Para mim, muda pouco se eram crianças pequenas ou se eram adultos, se eram
42 "apenas" ou se tinha mais. Ainda acho que, como acho na história de
Davi e Golias, o desfecho poderia ser outro, seria mais agradável lidar
com algo menos impactante! Seria mais simples de "explicar". Acontece que
muitas vezes a vida não tem explicações, tem apenas situações que
acontecem. O que resta é pensar que Eliseu poderia sofrer algum perigo no
meio de uma ameaça e o Senhor permitiu o salvamento de forma milagrosa,
até por conta do questionamento a respeito de seu chamado ("calvo"),
que seria uma afronta ao próprio Deus que o escolheu.
Que eu preferia que ele fosse salvo mas com outro evento, isso com certeza!
Mas não posso questionar as formas como todas as coisas acontecem, ainda
que prefira que sejam diferentes. Apenas posso observá-las e tirar lições,
quer sejam agradáveis ou não do meu ponto de vista.
Jesus mesmo orou "passa de mim esse cálice". Ele sofria a angústia
antecipada pelo martírio e por todo o sofrimento daquele evento. Mas Jesus
mesmo se rendeu ao desejo do Pai ao completar aquela oração dizendo "não
se faça a minha vontade, mas a Sua". Nós podemos ter entendimentos,
questionamentos e até achar que algo possa ser diferente. No entanto, se
submeter ao querer do Senhor implica em aceitar tudo o que vier! Mesmo que
me pareça estranho ou ruim, ainda que eu ache que poderia ser diferente.
Meus pais agiram muitas vezes para comigo de formas que entendi como ruins
ou que poderiam ser diferentes. Que eu até faço diferente como pai! E
tenho certeza que meu filho questiona coisas que eu faço para com relação
a ele, bem como poderá agir de forma diferente para com seus filhos se um
dia o Senhor permitir a ele isso! Mas eu não questiono o amor de meus pais
para comigo, mesmo que eles tenham feito coisas que eu preferia que
tivessem feito de outra forma. E meu filho, crescendo, já deixa bem claro
a mesma coisa: não questiona o meu amor, mesmo que não concorde com tudo
que eu faça em relação a ele. Por que questionamos o amor de Deus para com
o ser humano por encontrarmos situações que achamos que poderiam ser
diferentes? Poderiam, é fato! Mas por terem acontecido da forma como
ocorreram, não muda o amor de Deus para com o ser humano! Ou o amor de
nossos pais deveria ser questionado igualmente!
E é exatamente por encontrar situações complicadas na Bíblia e que
poderiam, na minha opinião, ter um outro desfecho, que entendo que esse
livro merece atenção e respeito! Não tenta enganar ninguém, esconder o que
parece ruim. Antes, mostra a vida como ela pode ser mesmo e nos chama a
entender que mesmo situações que não concordamos e que preferíamos que
fossem diferente, fazem parte da vida e da história. Não apenas da Bíblia,
mas da vida de qualquer pessoa.
Não, claro, algumas situações especificamente, como a do texto que nos
motivou a esse estudo, e outras muitas que encontramos na Bíblia (Juízes
apresenta o estupro, morte e esquartejamento da concubina de um levita,
que envia partes dela para as tribos! Mesmo questionando que ela poderia
nem ter sido estuprada, temos isso e algo duro na sequência, mostrando a
dor, a angústia e o convite para uma mudança, mas poderia ter sido feito
de outro jeito!), mas situações assim nos apresentam exemplos de outras
tantas situações que entendemos que poderiam sim ser diferentes, mas que
acontecem da mesma forma.
E mesmo entendendo que poderiam ser diferentes, nem sempre questionamos a
falta de amor, como no exemplo da relação entre pais e filhos. Mas quando
interessa, achamos um jeito para questionar o amor e a forma de agir de
Deus. Acredito que precisamos "baixar a guarda" com relação ao Senhor e
notar que a vida apresenta muitas situações que poderiam ser diferentes,
mas que acontecem do mesmo jeito, e muitas vezes nós mesmos fazemos,
seguindo nosso livre-arbítrio, mas aí questionamos a razão de Deus ter
permitido. Quando a nós interessa, gostamos do livre-arbítrio, mas quando
não interessa, culpamos Deus. Tudo bem que o texto motivador não fala
exatamente em "livre-arbítrio", a não ser que os meninos escolheram
afrontar Eliseu com o que hoje chamamos de bullying (foi um pouco mais que
isso) e poderiam nem ter feito (isso nem sempre é questionado - que os
meninos não precisavam fazer aquilo, mas questiona-se o resultado que
parece exagerado diante de uma ação original que poderia nem ter
ocorrido). Mesmo assim, claro, o desfecho
poderia ser outro, mas diante dos fatos ocorridos só nos resta seguir.
Acredito que essa situações "rins" que a Bíblia nos apresenta, como esta
do nosso estudo, servem para nos mostrar o quanto somos parciais,
questionando apenas o que nos interessa, mas aceitando muito bem o que
preferimos e nos agrada. A vida com o Senhor é um "pacote completo" e ou
nos rendemos ao Seu desígnio, ou servimos a nossa vontade. Nem sempre vai
parecer bom aos nossos olhos, mas com certeza o Senhor tem um plano no
meio de tudo aquilo que foi permitido. Não apenas no meio das coisas que
nos agradam, mas de todas, absolutamente todas as coisas!
Forte abraço.
Em Cristo,
Ricardo, pastor
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