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- Ensaio Teológico -
Javé: Libertador, Salvador e Senhor
Pastor Ricardo
INTRODUÇÃO
Javé. Um Deus preocupado com o ser humano. Mas, em que implica essa preocupação? Seria algo só para o futuro? Seria só para homens? E as mulheres? E as intempéries do dia-a-dia? Javé também se preocupa com isso?
Diante dessas questões nos preocupamos em demonstrar algo a respeito de Javé no que diz respeito a seu modo de agir com relação ao ser humano. Esse Deus não se preocupa somente com o futuro, mas com a integralidade do ser humano desde já, não fazendo acepção de pessoas.
Muitas vezes nos deparamos com uma experiência de Javé como aquele que simplesmente vocaciona Moisés para liderar a libertação do povo da servidão no Egito. Mas Ele não é apenas isso! Não podemos limitar toda a história no Javé que traz a libertação. A libertação que o povo tem pode ser vista como uma salvação. Mas Javé está apenas preocupado com o dia a dia para produzir aí a salvação? Não existe também uma esperança escatológica? Então nos lembramos de que Javé se preocupa com certos preceitos que passa a seu povo (mandamentos e leis). Aqui, então, Javé é aquele que quer obediência. Pode ser visto como Senhor. Mas é mais. Quanto mais tentarmos buscar realidades de modos de agir de Javé para com o ser humano, mais iremos encontrar. Ele está sempre sendo mais do que podemos definir, uma vez que “o verdadeiro conhecimento de Deus só pode ser adquirido graças à auto-revelação divina, e somente pelo homem que aceita isso com fé semelhante a de uma criança" (BERKHOF, L. Teologia Sistemática, Campinas, Luz para o Caminho Publicações, 1990, p. 32). Só quando Javé se auto-revela é que podemos ter conhecimento Dele. Mas isso nunca acontece de forma completa e definitiva. Sempre Ele se auto-revela mais.
Claro que não podemos limitar Javé aos três pontos propostos (Libertador, Salvador e Senhor). Mas entendemos que muitas vezes Ele é visto com muita veemência de uma das formas acima citadas. Dificilmente desenvolve-se um pensamento envolvendo essas três dimensões, pelo menos, mesmo que em pensamentos diferentes se desenvolva tanto essas perspectivas como até outras. Normalmente não se desenvolve num mesmo pensamento as várias características.
Não queremos limitar Javé a essas três faces. Queremos ir contra ao fato de, muitas vezes, vê-lo com uma das características em um desenvolvimento de raciocínio. Tentaremos mostrar que se pode construir um pensamento envolvendo mais de uma característica.
Com isso, nos propomos a escrever sobre esse Javé (tendo como base as leituras feitas, estaremos buscando mesclar as visões sobre as atitudes de Javé para com o povo). Um Deus amoroso, que é cuidadoso e que disciplina seu povo. Não podemos limitar Javé a uma única forma de atuação no que diz respeito à libertação ou salvação. Não podemos limitá-lo a um tempo, povo ou sexo. Javé está preocupado com a totalidade do ser humano.
Javé: Libertador, Salvador e Senhor
A tradição de Javé no Antigo Testamento deve ser a mais antiga (Cf. RENTORFF, R. A formação do Antigo Testamento, São Leopoldo, Editora Sinodal, 1989, p. 14-15). Com isso, podemos identificá-lo desde os Patriarcas e revelado novamente na experiência do Êxodo, uma vez que nessa experiência (do êxodo), o próprio Javé se declara Deus dos patriarcas (Êxodo 3.6). Ele aparece a Moisés, conclamando-o para a libertação do povo do jugo dos Egípcios, depois de ouvir as orações desse povo (Êxodo 2.23). Javé é amoroso e compreensivo, uma vez que, ouvindo o clamor, atende e se preocupa em dar o livramento.
Verificamos a realidade de um Libertador, Salvador e Senhor em Javé. Ele não é só aquele que salva, mas também liberta de opressões tanto externas (de outros povos) como internas (na teologia). Não podemos limitar Javé a um ditador que ordena coisas que devem ser cumpridas. Javé liberta da escravidão, do sexismo, de opressões… Ele está preocupado com o ser humano no seu todo, em todas as dimensões da vida.
Como as nações tinham deuses com nomes,
Javé precisava ter o Seu. E se revela a Moisés como o Deus do seu pai, dos
patriarcas (Êxodo 3.6), isto é, o Deus que está se preocupando com o povo
já desde longa data. Não é um Deus que aparece perdido na história. E por
isso precisa ser conhecido por Seu nome, mostrando que Ele quer ter
intimidade com o povo. “Não é a mesma coisa falar da soberania de um Deus
sem nome e falar da presença salvífica e próxima de um Deus concreto como
é Javé" (CROATTO,
José Severino. Uma releitura
do nome de Javé (Reflexões hermenêuticas sobre Ex 3. 1-15 e 6. 2-13),
In: RIBLA nº 4, 1989, p. 123). É
com Moisés que temos a solidificação do nome Javé para esse libertador.
Podemos identificar isso como a relação que Javé passa a ter com o povo.
Mesmo sendo Deus do povo (eles não fariam orações a um Deus que não
confiassem), é na experiência do êxodo que o povo tem uma revelação maior
e compreende melhor (não totalmente) a relação que Javé deseja ter com Seu
povo: ser seu Deus!
Vemos, portanto, que a fala do nome de Javé está intimamente ligada à experiência que se tem com Ele. Não podemos, então, limitar isso a um único período histórico e a poucas pessoas. “Javé continua sendo Redentor. Como naqueles tempos idos, aguarda-se dele uma redenção reiterada que é suplicada e experimentada, tanto em favor do povo, como do indivíduo" (WESTERMANN, C. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Edições Paulinas, 1987, p. 33). Ele vem durante a história, continuamente agindo. Precisamos, antes, nos lembrar que sempre existem pessoas por trás de um/a líder quando este/a surge. A libertação acontece ao/à líder e ao povo que com ele/a está. E esse/a líder não se forma por acaso. Com isso, se faz necessário, antes de se analisar uma pessoa única e exclusivamente como foco central de uma narrativa, observamos as pessoas que estão nesse conjunto do acontecimento. Para Moisés comandar, era necessário aqueles/as que seriam comandados/as. Podemos, então, com essa leitura, aprimorar a discussão e o pensamento a respeito dos “jogos de poder” envolvidos em cada questão e relato Bíblico (já que estamos falando de Bíblia, uma vez que isso não acontece somente no âmbito religioso, mas nos mais variados desdobramentos da sociedade). Javé não vai se revelar somente a uma pessoa (Moisés), mas ao Seu povo. Não vocaciona apenas Moisés para a liberdade, mas todo o povo, com a liderança terrena de Moisés (que seria uma espécie de ‘mediador’ entre Javé e seu povo), que seria liderado pelo próprio Javé.
Além da experiência com Deus (Teofania), precisamos notar que Javé está ligado intimamente com a experiência de Salvação. O povo é liberto com interferência poderosa de Javé (ver Êxodo 5-14), produzido salvação, que não pode ser entendida unicamente como espiritual, mas também como salvação das mazelas da vida. Salvação, no caso do Êxodo tem íntima ligação com a libertação dos egípcios. O Deus de Israel não é só aquele que se manifesta, faz promessas de cuidados e de possessões, mas também aquele que liberta de uma situação adversa. Não é só o Deus que se manifesta como Senhor e próximo, como fez para com os Patriarcas e com Moisés, mas é o Deus da Libertação, Salvação e aquele que ouve e atende as orações. É o Deus presente e pronto para agir em todas as situações da vida. Por isso é aquele que é/está (Êxodo 3.14), não apenas aparece ou até inexiste, estando preocupado com todos/as, sem exceção ou discriminação.
Durante muito tempo, buscou-se legitimar leituras patriarcais em cima de textos patriarcais (Cf. PEREIRA, N. C. Pautas para uma hermenêutica feminista de libertação in Revista de Interpretação bíblica latino-americana. Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal. N. 25, 1996, p. 5). A teologia, então, tenta colocar Javé como machista. Não podemos concordar com isso. Javé se preocupa com todos e todas, não priorizando ninguém. É claro que no
contexto histórico da Bíblia se encontram estruturas machistas muito fortes, mais fortes que as nossas. Nessas estruturas, a mulher era marginalizada, não era considerada como uma pessoa igual ao varão; o pai ou o esposo decidiam seu futuro. Ainda nessas estruturas injustas, contudo Deus se compadece das mulheres oprimidas e as reivindica como seres humanos dignos, pois Deus é justo. Pensemos no caso de Agar, a escrava, e, no caso de Maria, a humilde serva que aceitou carregar em seu seio o Salvador (CLAI.Jesus Cristo: Vocação comprometida com o Reino, São Paulo, Imprensa Metodista/Editora Unimep, 1982, p. 109).
Foi o homem que, ao ser mais usado pelo Espírito Santo para a escrituração da Bíblia, tentou mostrar que Javé coloca a mulher em segundo plano. Mas na realidade, o homem só vem mostrar seu próprio interesse, isto é, quando monopoliza a escrituração da Bíblia ele aflora a realidade dos seus interesses e preconceitos machistas, infiltrando isso na sua teologia (Cf. GERSTENBERGER, Erliad S. Javé, o Senhor: um Deus Patriarcal e Libertador?, IN: Estudos Teológicos nº 3, Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 1989, p. 318). Mas entendemos que essa ideia se volta contra o homem e está a favor da mulher nessa questão. Javé se preocupa com os marginalizados e a mulher acabou sendo marginalizada. Não podemos deixar ninguém de fora da libertação que Javé traz. Sem contar que Javé também escolheu mulheres para a realização de seu plano de Salvação do gênero humano. Se Javé fosse machista, só encontraríamos homens em tal evento de tão grande importância.
Javé como Libertador. Está preocupado com a liberdade de Seu povo para O servir. Javé como Salvador. Aquele que traz a salvação, independente das situações adversas, não se preocupando com uma Jerusalém Celestial apenas, mas com o dia a dia das pessoas. Javé como Senhor. Dá leis e espera obediência. Javé. Um Deus preocupado com a integralidade do ser humano, que precisa ser visto também de forma integral (Javé).
CONCLUSÃO
Não podemos limitar Javé a uma única situação da vida. Ele não se preocupa apenas com o espiritual das pessoas, como também não se preocupa com a liberdade como pessoa. Javé se preocupa com o ser humano como um todo. Não podemos limitar Javé a um Deus que liberta do Egito. Não podemos limitar Javé a um Deus que dá provisão. Javé se preocupa com o ser humano em sua vida.
Nessa visão proposta, podemos verificar, em nossos dias, a realidade da experiência trinitária de Deus. Não podemos limitar Deus ao Senhor que comanda tudo (o Pai), ou ao Filho que vem proporcionar a nossa salvação, ou ao Espírito Santo que nos convence de pecados e nos auxilia na aceitação e na propagação da mensagem do Reino de Deus. Vemos a realidade de uma complementação. Deus é visto dessas formas todas. Limitá-lo a uma experiência é não conhecê-lo totalmente. Limitar Javé a um povo, a uma pessoa, a uma experiência é não conhecê-lo como Deus.
Temos a séria tentação de limitá-lo a salvação ou libertação. Mas precisamos lembrar que Javé está além disso. Ele não se limita a uns poucos, mas é Deus de todos. Muito mais importante que o chamado/vocação de Moisés é a presença do povo como um todo no livro de Êxodo. É por escutar as orações do povo que Deus chama/vocaciona Moisés. É mais importante que esse chamado/vocação a própria manifestação salvífica de Deus frente ao povo. Mais que manifestar-se a Moisés, temos que levar em conta que Deus se manifesta ao povo. E não é qualquer Deus! É o Deus dos antepassados, o Deus que teve grande influência sobre o povo e nas memórias desse povo. O Deus que era conhecido por Abraão como El-Shadai, e que agora se manifesta ao povo como aquele que é/está (Êxodo 3.14). É algo contínuo, em todo o tempo e não apenas em momentos específicos. Não mudou o Deus nem o seu nome: apenas acontece um aprofundamento da interpretação humana naquilo que esse Deus se revela.
Javé, um nome. Javé, um Deus preocupado não só com algo do ser humano, mas com a sua totalidade. Javé, Deus que é Libertador, que é Salvador e que é Senhor. Um Deus completo que se preocupa com o ser humano por completo.
BIBLIOGRAFIA
1. ARCHER Jr, G. L. Merece confiança o Antigo Testamento?, São Paulo, Edições Vida Nova, 1974.
2. BERKHOF, L. Teologia Sistemática, Campinas, Luz para o Caminho Publicações, 1990.
3. CLAI. Jesus Cristo: Vocação comprometida com o Reino, São Paulo, Imprensa Metodista/Editora Unimep, 1982
4. CROATTO, J. S.. Uma releitura do nome de Javé (Reflexões hermenêuticas sobre Êx 3. 1-15 e 6. 2-13), In: RIBLA nº 4, 1989.
5. GERSTENBERGER, E. S. Javé, o Senhor: um Deus Patriarcal e Libertador?, IN: Estudos Teológicos nº 3, Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, 1989.
6. GOTTWALD, N. K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica, São Paulo, Edições Paulinas, 1988
7. .____________. As Tribos de Iahweh, São Paulo, Edições Paulinas, 1986.
8. METZGER, M. História de Israel, São Leopoldo, Editora Sinodal, 1989.
9. RENDTORFF, R. A Formação do Antigo Testamento, São Leopoldo, Editora Sinodal, 1989.
10. WESTERMANN, C. Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Edições Paulinas, 1987.
Forte abraço.
Em Cristo,
Ricardo, pastor
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